Acerca de
A rapariga de olhos grandes e cabelo preto
Capítulo XII
Chegou ao quarto de hotel. O grande D. não tinha olhado a custos. Cama king size, imaculadamente feita. Por cima, uma colcha de seda num tom suave de lilás. Um cadeirão de veludo frontalmente posicionado para a varanda. Abriu a porta. Saiu e deslumbrou-se. Esticando o braço, parecia tocar na Torre Eiffel. Imponente. Do seu lado direito.
Regressou ao quarto. Entrou na banheira. Riu-se ao pegar no sabonete. Claus Porto. Sentiu-se em casa. O odor a cedro invadiu a suite. Vestiu-se e saiu.
Percorreu a margem do Sena. Passou por pintores que em silêncio esboçavam visões que só eles conheciam e que em breve seriam de todos. A sua verdade. Transmitida a óleo, a carvão, a tinta. Realizada. A par da escrita, a pintura e o desenho sempre o fascinaram. Perdia-se horas a fio nas obras dos grandes mestres. Como se perdia nas telas dos pintores de rua. Lembrava-se de quando comprara um pequeno quadro com a figura de Pessoa no Bairro Alto a um senhor de chapéu e fato. A obra não era grande coisa. Fora uma grande coisa para o senhor. E isso bastara-lhe. Vira um sorriso em gratidão. Que o preenchera. A tia dissera-lhe várias vezes em garoto que melhor que ter o que não tinha era dar o que tinha. Essas palavras acompanhavam-no até hoje. Comoveu-se e ali ficou. Preso às telas. Que preenchiam toda a margem do rio. A dar o seu tempo.
Entrou numa pastelaria e pediu um crepe. Nutella. Devorou-o. Pediu outro. Saiu e dirigiu-se ao hotel.
Sentou-se no cadeirão a pensar no que iria fazer. Tomou consciência. Chegara o momento.
Retirou o envelope da mochila e memorizou a morada. Tremeu. Suores frios.
- Grande D., já cheguei.
- Tranquila a viagem?
- Nem por isso. Uns putos na fila à frente não se calaram um segundo.
- E os pais?
- Mudos. A mãe adormeceu. O pai em amena cavaqueira com um outro passageiro.
- E agora? Vais lá?
- Eh pá, vou. Vou bater à porta e logo se vê.
- Força aí.
Saiu do hotel e caminhou. Era longo o trajeto. Podia ter ido de táxi. Quis ver a cidade. Isso ou ganhar tempo. Um passo em frente, dois passos atrás. Sentia-se assim. Num limbo. Lembrou-se do bambu. Vergado mas não quebrado.
Chegou. Parou na esquina do prédio. Assim esteve durante meia hora. Ao dar um passo decidido na direção do prédio, a porta abriu-se. Recuou. Viu-a sair. Esguia, num vestido fluido preto. Viu um homem. Saíram os dois, viraram na direção oposta à dele.
Encostou-se à parede. Quebrado.