Acerca de
A rapariga de olhos grandes e cabelo preto
Capítulo XIII
Caminhou até ao hotel encolhido. Olhos no chão. Ombros derrotados. Ganhou corcunda numa fração de segundo. Parecia uma passa de uva bem engelhada pronta a ser devorada na passagem de ano. Vira-a com um homem. Alto. Com bom aspeto. De blaser e calças de ganga. A sair de casa dela.
Chegou ao quarto e abriu uma garrafinha de whiskey.
Sentou-se na poltrona. Caiu-lhe a ficha. Sentia-se com medo. Lembrou-se que o medo era nosso aliado quando não nos tolhia. E lembrou-se ainda das palavras sábias da tia. 'Quando sentires medo, abraça-o. E pergunta-te o que é que o medo te quer mostrar.' Que raio. De onde vinha este medo? Não podia perdê-la. Nunca a tivera. Remoeu. Esteve assim uma hora. Estava a querer respostas rápidas. E como tudo na vida o rápido geralmente dá poucos frutos. É colado a cuspo. Porque a cola custa.
Levantou-se, abriu a porta da varanda e deixou-se estar. Conseguia ouvir uns pássaros numa árvore majestosa defronte do hotel. Via pessoas na rua a andar em passo acelerado. Tal como a sua mente. Respirou bem fundo e ligou ao Grande D. Não atendeu. Saiu do hotel para petiscar algo.
Encontrou um restaurante simpático a poucos metros. Pediu uma baguete com queijo e uma cerveja. Não tinha fome. Comeu a custo. Garganta seca.
- Então pá, ligaste?
- Sim.
- Estava aqui no meio de uma coisa. Como é que foi?
- Não foi. Cheguei à porta do prédio e via-a a sair com um homem.
- E?
- E o quê? E nada. Viraram para um lado e eu para o outro.
- Volta lá amanhã.
O Grande D. era assim. Taxativo.
- Eh pá, isto foi mesmo uma loucura. E tu a bancares.
- Poupa-me a esse discurso de m****. Já percebi. Estás cagadinho de medo.
- E não é para estar?
- Confronta o medo. Vais lá e tiras isso a limpo. Já pensaste que estás a fazer filmes? Não sabes quem é esse homem. Assumes que é namorado, companheiro, algo do género. Marido não é, digo-te eu. Teria de estar registado e não está. Muda a narrativa.
- F****, és lixado.
- É o que é.
Acabou o petisco e foi deambular pela rua. 'Cagadinho de medo'. Sim, sentia-se borrado de medo. Passou por umas galerias de arte. Entrou em várias. Sentia-se tentado a comprar algumas obras. Houvesse dinheiro. Era melhor regressar ao hotel. Passou numa galeria que lhe chamou a atenção. Viu um rosto exposto na vitrina. Entrou. Ao virar à esquerda, deu de caras consigo próprio. O seu rosto exposto. Ficou perplexo. Aproximou-se da descrição. Yeux qui parlent. Talking eyes. Viu o nome dela abaixo. Pegou no telemóvel e tirou uma foto. Enviou ao Grande D.
- Recebeste?
- Espera. Vou ver. Eh pá, és tu.
- Como é que isto te escapou?
- É recente. Tenho a certeza.
Foi ao balcão. A exposição tinha um mês.
Saiu da galeria bambo das pernas. E com um sorriso largo. Há instantes assim.