Acerca de
A rapariga de olhos grandes e cabelo preto
Capítulo XIV
Caminhou por Paris. Tinha o seu rosto exposto. Lembrava-se do disparo da máquina fotográfica na noite em que falaram. Ela no carro a ir embora. Ele rendido.
Viu essa rendição na foto. E tanto mais. Dúvida. Alguma tristeza. Desconforto.
Fora apanhado na curva e agora ria-se.
Um momento materializado numa tela na galeria de arte. Quem diria?
Vira os outros rostos da exposição de relance. Sem os examinar.
Voltou à galeria. Perguntaram-lhe se lhe podiam servir uma taça de champagne. Anuiu.
Com a taça na mão parou em todos os rostos. Maioritariamente mulheres. Belas na sua vulnerabilidade.
Deteve-se diante de um rosto masculino. Mais velho. Rugas nos cantos dos olhos. Cabelo grisalho sedoso. Olhos grandes. Pretos. Emanava força. Viu a legenda "Mon Amour". "My love". Estremeceu. E percebeu. Era o pai. Os olhos grandes. As linhas do rosto. Ali ficou por minutos.
Viu os preços.
Deu por si a adquirir o seu rosto.
Dirigiu-se ao hotel.
- Grande D., adquiri-me.
- Quantos whiskeys bebeste?
- Champagne, meu caro. Ofereceram-me uma garrafa na galeria.
- Compraste a tua foto?
- Estou a olhar para ela neste momento. Ali na cómoda. Ver-me assim de fora é estranho. Parece que estou a observar outra pessoa. Olha que não estou nada mal.
- Quem te ouvir falar. Estás como estás. Ponto.
- Vi o pai dela na galeria.
- Não te enviei foto do pai.
- Também estava exposto.
Riram-se com gosto.
- Vai mas é dormir.
- Até amanhã.
Não ia dormir. Sentia-se agitado. Da bebida. Da excitação.
Foi à varanda apanhar ar fresco. E decidiu o que fazer.
Escreveu o nome, contacto telefónico e a morada do hotel num papel.
Dirigiu-se à receção e pediu fita cola. Colou o papel na foto, voltou a embalá-la. No exterior, escreveu o nome dela e morada e pediu para entregarem a encomenda no dia seguinte.
Subiu ao quarto. Sentou-se na poltrona.
Sorria. Deixou-se ir. Sem pensar muito. E era bom.