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Acerca de

Wave

A rapariga de olhos grandes e cabelo preto

Capítulo II

O negócio da tia ia cada vez pior. Ela não se lamentava. Ele sentia-se mal. Precisava de arranjar um emprego. Não sabia o que poderia fazer. Tinha o curso de arquitetura. Nunca praticara. Tinha escolhido aquele curso como poderia ter sido outro. A escrita esteve sempre lá. Desde miúdo. Guardava diários. Alguns desenhos. Muitas letras.

Resolveu criar um blog. Começar a publicar. Logo se veria.

Telefonou ao amigo de longa data que era um digital.

    - Então pá vais ter um blog quando já não se usam blogues?

    - Do mal o menos.

Sentia-se aborrecido por fazê-lo mas sentia-se pior a depender da boa vontade da tia. Podia ser que colhesse frutos. Passados dois dias, estava a escrever no blog. Como não usava redes sociais, chegava a pouca gente. Não se importava. Chegava a alguém e isso para já era para ele motivador.

Mostrava os textos em papel à tia que ficava sempre maravilhada.

    - Que talento, meu filho.

    - Obrigada, tia.

Gostava de ver a tia feliz e mesmo que estivesse a falar do coração, levada pelo laço familiar, não fazia mal.

 

Passados três meses, arranjou um trabalho a sério. Num bar na Rua Rosa. Trabalhava de noite e dormia de dia. O barulho da música deixava-o tonto. Habituou-se. A tia pediu-lhe que não deixasse a loja. Ele não cedeu. Ela conformou-se.

 

Passava as noites a servir bebidas ao balcão. O final da noite era sempre o pior. E, paradoxalmente, o melhor. Os clientes bêbedos ficavam no balcão a debitar um chorrilho de histórias. Geralmente tragédias. Este tempo no bar deu-lhe matéria para os textos. Chegava a casa, gravava as histórias para não as esquecer, dormia seis horas e escrevia freneticamente no blog.

 

Num dos dias delirantes, como lhes costumava chamar, telefonou ao amigo digital.

    - Quero criar no blog uma área para as histórias da Rosa.

    - Ok. Estás por casa?

    - Estou.

    - Estou aí em meia hora.

Enquanto esperava pelo amigo, começou a questionar-se da ideia que tivera. Abriu o frigorífico e tirou uma Super Bock. O Lorde olhava-o.

    - Então Lorde? Estou a ser um idealista, não é? O cão abanou a cauda.

 

Foi abrir a porta. O amigo estava cada vez mais gordo. Era um solitário, enfiado nos computadores. Passava os dias a beber coca-cola e a fazer o que mais gosto lhe dava. E pagavam-lhe bem. Era um hacker. Dos bons.

    - Histórias da Rosa. Muito bem. Onde é que a conheceste?

    - Não é uma mulher. São as histórias que oiço no bar.

    - Ah, ok. E ouves que tipo de coisas?

    - Nada como as que tu sabes, grande D.

Riram-se a bom rir. Em 20 minutos, a Rosa teria a porta aberta para as tragédias dos lisboetas.

    - Queres que coloque aqui uma rosa como pano de fundo?

    - Só se for com espinhos.

Riram-se novamente enquanto bebiam umas cervejas. Era bom ter amigos assim. 

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