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Acerca de

Wave

A rapariga de olhos grandes e cabelo preto

Capítulo IV

    - Traga-me mais um gin.

    - A sair.

Era o penúltimo dia no bar. Estava saturado da noite. Nem as histórias compensavam. Repetiam-se. Ia começar a trabalhar num stand de automóveis na parte do secretariado. Pelo que tinham dito, era necessário digitalizar a papelada, atender telefones e criar uma nova base de clientes. Era capaz de fazer isso. Pagavam melhor. Pelo menos isso.

O calor no bar era esmagador. A música dos anos 80 repetia-se a cada noite. Prince. The Cure. Bon Jovi. Sabia as faixas de cor.

As pessoas amontoavam-se ao balcão. Todas queriam ser atendidas. Nenhuma queria esperar. Muitas vezes interrogava-se sobre a Espera. Espera por um amanhã melhor, espera por um livro publicado, espera por um trabalho que lhe enchesse as medidas. Ali limitava-se a encher copos e a esvaziar a Alma.

 

Sentiu um olhar cravado nas costas. Outro cliente que não queria esperar.

Virou-se.

Estremeceu e deixou cair a garrafa de gin que ainda tinha na mão.

Viu-a ao longe. Estava acompanhada por dois homens e sorria com um ligeiro arquear da sobrancelha esquerda. Com a mão acariciava o pescoço, puxando o cabelo curto para baixo. Olhava-o por breves segundos e desviava o olhar.

Virou-se de costas e parou. Simplesmente parou.

    - Olha lá, estás de saída mas a casa está cheia.

Era o gerente. Um tipo grande, bruto no trato, enfastiado com a vida. Voz de cana rachada. Que se ouvia para ralhar. Nada mais que isso.

    - Atendo já. É só um minuto.

    - Com o tempo que aí estás especado, já perdi dez euros, mínimo.

Falava alto e bom som. Todos o ouviam. Ele não se importava. Os clientes eram números em caixa. Ponto final.

Inspirou e expirou fortemente. Voltou-se e atendeu um senhor que ia já na sexta cerveja. Não ousava levantar os olhos na direção dela.

 

As palavras do grande D. ecoaram na sua mente. Sabes o mais importante. De supetão, envolto em coragem, olhou na sua direção. Desaparecera.

 

    - Uma tequila, por favor.

    - Com certeza.

Preparou a bebida mecanicamente. Por dentro, sentia-se a parar. Desde pequeno que era assim. Na hora h parava. Pura e simplesmente parava. Sentia a sair dos pés raízes bem fortes e largas que o prendiam à terra. A única vez que se recordava de ter reagido fora no acidente de viação. Encarcerado no banco, pontapeou a porta tantas vezes quantas conseguiu. As forças escasseavam. Quando perdeu os sentidos, a porta estava já aberta e os bombeiros levaram-no para o hospital. Ficou órfão nesse dia. Lembrava-se de pouco. Sentia tudo.

Na pausa de quinze minutos, saiu do bar. Encostou-se à parede e deixou-se ficar. Estava calor. Sentia frio. As mãos tremiam. Não comia nada desde as 19 horas.

 

Regressou ao balcão. Decidido. Só faltava uma hora para sair. Agachou-se para encher o balde de gelo e quando se levantou ela estava à sua frente.

    - Por favor, queria um Martin Millers. Com lima. E zimbro.

Sorria-lhe.

Desta vez ele não parou. O Mundo sim parara.

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