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Acerca de

Wave

A rapariga de olhos grandes e cabelo preto

Capítulo VI

 Chegou a casa e ligou ao grande D. 

    - Encontrei-a.

    - Sim?

Voz ensonada.

    - Estavas a dormir? 

    - Eh pá, passei pelas brasas. Mas diz.

    - Encontrei-a. Quer dizer, dei de caras com ela. No bar. Entretanto, esmurrei o Paulo, peguei nas minhas coisas e zarpei de lá. E depois falámos. Pouco tempo. 

O grande D. interrompeu-o.

    - Não percebo nada do que estás a dizer. 

    - Encontrei-a f****. 

O grande D. endireitou-se na cadeira. 

   - Não acredito. Nome?

   - Não sei. Olha, é que não sei mesmo. Foi tudo tão rápido. 

   - Conta-me lá isso bem.

Assim se passou meia hora ao telefone. Contou os detalhes, os poucos que se lembrava. Estava extasiado. Parecia uma criança a comer um sorvete nas férias de verão.

   - Contacto?

   - Eh pá, não. Não pedi. Nem dei o meu.

Começou a esmorecer. O sorvete estava no fim. E não tinha trocos para outro.

   - Bem, não há-de ser difícil. Paris. Fotógrafa. Modelos. Já te disse. Encontro-a num piscar de olhos. 

   - Não sei. É melhor não. Está visto que não tem de ser. 

   - Tu é que sabes. 

   - Vai dormir, pá. Até amanhã.

Foi para a cama. Não conseguia adormecer. Olhou para o relógio. O Lorde aninhado aos pés. Também não dormia. Olhava-o nos olhos.

   - Tens razão, Lorde. Vou dizer ao D. para a procurar. Vou-me deixar de merdas.

O Lorde pousou a cabeça e pareceu repousar.  

Acordou com o telefone. 

   - Estou?

   - Querido, a tia não está bem. E não quer ir ao hospital. Chamei o Dr. Lacerda. 

   - Mas o que se passa, D. Maria?

   - Está com dores no peito.

   - Vou já para aí. 

   - Olha, o Dr. está a tocar à porta.

Desligou o telefone, calçou os ténis e saiu. Também ele com uma dor forte no peito. Angústia. A tia era tudo para ele. 

   - Então, tia? Isto é que foi um susto. 

Estava à beira da cama. Segurava-lhe a mão. 

   - Oh meu filho, o Dr. Lacerda é um exagerado. Um querido é um facto mas muito miudinho. Vê lá tu que fiz uma bateria de exames e está tudo bem. 

Acenava que sim com a cabeça. Não valia a pena contrariar a tia. Entrou uma enfermeira, examinou-a e sorriu-lhes. Saiu de seguida. 

   - Mas agora estamos descansados. 

   - Houvesse necessidade disto. Enfim. Vens tu para aqui a correr para nada. 

A tia gostava de puxar ao drama. Ele fazia o jogo. Tinha feito umas incursões teatrais quando era miúda. Era a sua paixão. Estava determinada a seguir teatro. O casamento arranjado estragou-lhe os planos. Nunca o dissera. Mas ele sabia. E tal como a tia também ele partilhava da dor da contrariedade. 

   - Descanse.

   - Sim, querido.

Beijou-lhe a testa e saiu, fechando a porta atrás de si. 

 

Deambulou pela rua. Sentia-se desamparado. A tia não caminhava para nova. Tinha as mazelas próprias da idade e do estilo de vida burguês que levava. Parou um pouco. Sentou-se num banco do jardim. Inspirou forte. Expirou.

Deu por si a rebobinar 'Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.'

Era isso. Sentia-se só. 

 

    

   

    

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